sexta-feira, 30 de outubro de 2009

VÍRUS HIV - Proteína coloca vírus da Aids na coleira


Molécula na membrana das células humanas se prende ao HIV e impede que ele continue seu avanço pelo organismo

Parasita já tem meios de evitar estratégia, mas dados podem inspirar novo modo de fortalecê-la; mecanismo também afeta outros vírus

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma proteína presente nas células humanas leva ao pé da letra a ideia de domar o vírus HIV, temido causador da Aids. Ela é capaz de se transformar numa coleira molecular, que acorrenta o vírus e impede que ele inicie a invasão de outras células do organismo.
Pesquisadores americanos acabam de decifrar como esse processo acontece, em artigo na revista científica "Cell". O grupo coordenado por Paul D. Bieniasz, do Centro Aaron Diamond de Pesquisa so bre A ids (EUA), descobriu até como criar uma forma sintética da "coleirina" (tradução livre do inglês "tetherin"), que funciona tão bem quanto ela.
Embora, pelo visto, o HIV já seja capaz de se safar da coleira proteica, o entendimento dos detalhes do mecanismo pode trazer pistas para fortalecer esse sistema de correntes e, quem sabe, fazer com que ele volte a ser eficaz. E o achado não é relevante apenas para o estudo da Aids: muitos outros vírus, como o Ebola e os causadores da gripe, também parecem ser suscetíveis à "coleirina".
"Nas células onde a "coleirina" está funcionando bem, esperaríamos que a replicação viral ficasse atenuada. Não sabemos a que ponto isso afetaria a carga de vírus no organismo ou a transmissão para outros indivíduos, mas é razoável imaginar que um desses parâmetros, ou ambos, seriam reduzidos", disse Bieniasz à Folha.
Os pesquisadores chegaram à "coleirina" seguindo a pista d e outro tipo de molécula, os interferons do tipo 1, que parecem coordenar, entre outras coisas, parte das reações do sistema de defesa do organismo contra vírus. Já se sabia que a "coleirina" era ativada pelos interferons, e que ela era capaz de diminuir a saída de partículas virais (grosso modo, os vírus "individuais" ) das células já infectadas pelo HIV. Também se sabia que a Vpu, uma proteína do vírus da Aids, tem como função desarmar a molécula.
Com essas informações, os pesquisadores passaram a estudar a composição química da molécula, bem como o papel dela na célula. Verificaram, então, que a "coleirina" costuma ficar atravessada na membrana que envolve as células, com um ganchinho espichado para fora. E conseguiram testar o que acontece quando o HIV, sem a proteção da Vpu, tenta sair de uma célula infectada.

Âncora
A "coleirina" se incorpora ao envelope protetor do vírus e vira uma espécie de âncora na membrana da célula. Preso, o parasita não alcança outras células. "O vírus escapa disso normalmente. Com o escape bloqueado, vimos do que ele escapava", diz o biólogo Atila Iamarino, doutorando da USP que estuda a evolução do HIV.
Para o médico Luís Fernando Brígido, diretor do laboratório de retrovírus do Instituto Adolfo Lutz, o trabalho é um primeiro passo importante para usar o sistema da "coleirina" como um alvo de novos medicamentos contra o vírus da Aids.
"Eles mostraram que uma forma sintética dela seria mais eficaz contra o HIV, mas seria complicado induzir uma alteração da proteína dentro da célula. Por outro lado, inibir a Vpu, que permite ao vírus escapar, seria um caminho", afirma.
Ele chama a atenção para outro ponto importante: a "coleirina" age sobre o envelope do vírus, que é produzido com material da própria célula. "É como uma barraca de praia que o vírus compra e leva." Como é mais difícil para o HIV modificar o material que vem da célula com mutações, a chance de resistência a drogas baseadas nesse conceito seria menor.

Estudo traz pistas sobre defesa inata

DA REPORTAGEM LOCAL

A pesquisa sobre a ação da coleira molecular chama a atenção para um pedaço importante da ação natural do organismo contra invasores. Trata-se da chamada resposta imune inata, uma primeira linha de defesa contra parasitas.
"Ela é diferente daquele processo no qual o organismo primeiro analisa o agente e só então produz anticorpos contra ele", diz Luís Fernando Brígido. "Existem outros mecanismos parecidos, como a Apobec, uma molécula que destrói o DNA usada pelo HIV como intermediário em sua replicação", diz Atila Iamarino.
"Acho que a aplicação mais direta [da nova pesquisa] é conhecer esse mecanismo de ação e descobrir a importância dele contra outros vírus que não se dão tão bem em humanos", afirma Iamarino. Para Brígido, um exemplo é o Ebola, muito letal, mas felizmente ainda incompetente para infectar muitas pessoas. (RJL)

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