terça-feira, 2 de junho de 2009

Histeria midiática e criminalização do HIV

por Sean Strub


A mídia alemã recentemente entrou em frenesi devido à detenção da pop star Nadja Benaissa. Seu crime? Não ter divulgado seu status de HIV-positiva a três parceiros com os quais ela manteve relações sexuais desprotegidas há vários anos (presumivelmente, relação sem preservativo). Um de seus acusadores alega que adquiriu o HIV a partir dela.

Nos Estados Unidos, tivemos um fenômeno semelhante quando uma histeria criada pela mídia - em conjunto com procuradores e políticos ignorantes ou ambiciosos - assustou o público e tachou as pessoas com HIV tão-somente como vetores da doença ou como "monstros da AIDS". Isso levou mais da metade dos estados a aprovarem leis de criminalização, resultando em acusações e condenações injustas e insensatas

No ano passado, Willie Campbell foi condenado a cumprir 35 anos em uma prisão no Texas por ter cuspido em um policial. Gregory Smith morreu em uma prisão de Nova Jersey, enquanto cumpria uma pena de 25 anos por alegadamente ter cuspido em um guarda prisional. Em outro caso, o estado sorológico de uma mãe foi citado por um juiz para negar a sua guarda de seu filho. Já houve várias centenas de processos judiciais nos Estados Unidos devido à não-divulgação do status positivo de alguém e, até agora, mais de 200 condenações.

Antes de embarcar em uma carreira solo, Nadja Benaissa era o vocalista da 'No Angels', da Alemanha, a maior banda feminina em vendas. Ela tem 26 anos, é mestiça (pai marroquino e mãe alemã) e cresceu muçulmana. Ela é uma mulher jovem e atraente e foi cantar em um grupo com uma reputação de "bad girl". Sua prisão, pouco antes de ela ir para o palco uma noite, foi claramente programada a fim de maximizar a publicidade.

Não são conhecidos todos os detalhes do seu caso, mas é provável que o sexismo, bem como o preconceito racial e/ou religioso estiveram presentes em sua detenção, especialmente devido ao seu 'high profile timing'. A raça tipicamente tem desempenhado um papel importante em processos judiciais nos Estados Unidos (Campbell e Smith são ambos afroamericanos). Nós ainda não temos um processo contra alguém 'high profile' - celebridade ou um pessoa influente - por não ter divulgado seu status na América, mas certamente teremos.

Enquanto uma das pessoas acusa Benaissa de ter adquirido o HIV dela, isso não foi provado. Se a transmissão realmente ocorreu, se houve uma "intenção de infectar", se o acusado está sob tratamento antirretroviral (ARV), ou, ainda, se tem uma carga viral detectável normalmente são irrelevantes para a decisão de processar. Em alguns estados, mesmo usando camisinha ou outras técnicas de redução de risco, não se opõe acusação.

Pouquíssimos têm falado contra as legislações criminalizatórias. É indicativo de uma persistente e perversa intolerância contra a comunidade de HIV-positivos, os pobres, as pessoas "de cor" e as minorias sexuais, todas categorias que mais facilmente compreendem a ideia de 'outro'.

De uma perspectiva de saúde pública, a política de criminalização do HIV é terrível, porque desincentiva as pessoas a se testarem. Você não pode ser processado por "exposição consciente" de outra pessoa ao HIV se você não sabe que tem. Esse é um poderoso incentivo para não fazer o teste. No entanto, é importante que as pessoas saibam seu status sorológico, em parte porque o conhecimento dele promove comportamentos sexuais mais responsáveis.

Saber o status da também permite a uma pessoa com HIV iniciar o tratamento com ARVs para restaurar ou preservar sua saúde. O tratamento em si reduz drasticamente o risco de transmissão do HIV. As pessoas com HIV que não podem, não irão, ou não querem divulgar seu status sorológico podem considerar o tratamento, a fim de minimizar os riscos para os outros.

O tratamento com ARVs é tão bem-sucedido na redução do risco de transmissão do HIV que, no ano passado, a Comissão Federal Suíça para AIDS disse que, em circunstâncias específicas, o risco de casais heterossexuais sorodiscordantes é tão remoto que os preservativos se tornam desnecessários. Essas condições exigem que o casal seja monogâmico, o parceiro com o HIV esteja em tratamento e tenha uma carga viral indetectável por pelo menos seis meses e que o parceiro não tenha nenhuma infecção sexualmente transmissível ativa. Há poucas semanas, a Deutsch Aids-Hilfe, maior organização não-governamental contra AIDS na Alemanha, emitiu uma declaração que essencialmente apoia as descobertas suíças, sugerindo que, sob determinadas circunstâncias, o tratamento com ARV pode ser tão eficaz quanto o preservativo na prevenção à transmissão.

A criminalização das pessoas com HIV, especialmente quando combinada com a 'media hype', é um combustível à estigmatização, que gera um apartheid viral, mantendo as pessoas com HIV às margens da sociedade e contribuindo para a continuação da propagação do vírus. Ela oferece às pessoas que não conhecem seu status sorológico, ou que são HIV-negativas, uma falsa sensação de segurança, ao mesmo tempo colocando o ônus da divulgação e da segurança desproporcionadamente sobre as pessoas que vivem com o vírus.
Para uma prevenção eficaz, esta responsabilidade de saúde pública deve ser partilhada por todos os parceiros em pé de igualdade. Por que não processar aqueles que expõem outros ao papilomavírus humano (HPV), que virtualmente causa todos os cânceres cervicais, bem como cânceres anogenitais e alguns cânceres da boca e da garganta? Tal como o HIV, estes cânceres são muitas vezes fatais. O HPV sequer exige a relação sexual para ser transmitido. Devem as pessoas divulgar que têm esse vírus - ou todos os tipos de outras condições potencialmente infecciosas -, antes de ter contato íntimo com outra? E as pessoas que nasceram com o HIV? Se todos nascemos iguais, por que eles nascem com a obrigação de divulgar que devem exercer por toda a sua vida, exigida, por lei, antes de qualquer contato sexual? Nós podemos e devemos lutar contra o HIV sem criar uma classe privilegiada de HIV-negativos, pessoas que têm mais direitos do que aqueles que, entre nós, são positivos. A dinâmica complexa entre a divulgação e o contato íntimo frequentemente torna difícil, impossível ou perigoso divulgar. Pessoas com HIV estão frequentemente numa posição mais fraca para negociar sexo seguro. Temem a rejeição. O conhecimento do seu status por outros podem levar à perda de emprego, moradia e até mesmo resultar em violência.

A obrigação ética de revelar tem sido consagrada no movimento de empoderamento às pessoas com HIV/AIDS desde 1983, quando foi expressamente incluída no manifesto fundador do movimento, os Princípios de Denver. Ninguém deveria intencionalmente colocar outra pessoa em risco, e os raros casos em que uma pessoa age com a intenção de transmitir o vírus para um parceiro desconhecido merecem a atenção da lei. Felizmente, esses casos são poucos e distantes entre si.

Criminalizando a não-divulgação - independentemente do nível de risco verdadeiramente presente ou se realmente a transmissão ocorreu -, não estimula uma maior honestidade e responsabilidade entre os parceiros sexuais. Porque elas são um combustível tão poderoso para estigma e o desencorajamento à testagem para o HIV, as legislações de criminalização contribuem para a propagação do vírus.


Sean Strub é um antigo ativista contra a AIDS e fundador da revista 'POZ', que recentemente se tornou presidente da Cable Positive, o canal de tevê a cabo e indústria das telecomunicações das organizações de ação contra a AIDS norte-americanas. Ele tem vivido com o HIV há 30 anos e pode ser contatado pelo e-mail sean@cablepositive.org
Para acessar o artigo original en inglês:

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