sexta-feira, 27 de março de 2009

PONTO DE DEBATE: Discurso sobre Aids e Gênero UNAIDS




Aids e Equidade de Gênero: É tempo de novos paradigmas


Discurso proferido por Sr. Michel Sidibé, Diretor Executivo do UNAIDS, na Abertura da 53ª Sessão da Comissão sobre o Status das Mulheres em 2 de março de 2009, na Sede das Nações Unidas, Nova York.


Sr. Presidente. Excelências, Estimados amigos,


As sociedades solidárias estão em recessão. Para mim é extremamente preocupante dizer que as sociedades solidárias estão em recessão. Somos bombardeados com notícias e relatórios de atos cada vez mais terríveis perpetrados contra as mulheres. Na África do Sul, de acordo com o Conselho de Pesquisas Médicas da Cidade do Cabo, uma em cada quatro mulheres relatam sofrerem abusos de parceiros íntimos – e a cada seis horas uma mulher é mortal. No Reino Unido, de acordo com a Pesquisa Britânica sobre Crimes, um número registrado de 80 mil mulheres são estupradas todos os anos. Pesquisas em vários países confirmam o que parece ser senso comum: há uma forte relação entre violência doméstica e a sorologia para o HIV.
Na Swazilândia, percebemos uma alarmante convergência entre a violência sexual e acrescente prevalência do HIV – recentemente estimada em 40%. Em muitos países, a violência sexual está sendo utilizada como um instrumento de guerra. Um relatório lançado há apenas algumas semanas confirma que o tráfico de mulheres é amplo e crescente. Na Índia, nós perdemos 40 milhões de meninas devido ao aborto seletivo por sexo e ao infanticídio de crianças do sexo feminino. Essas são as manifestações mais chocantes de discriminação baseadas no gênero – uma regra que é tão perigosa quanto prevalente em todo o mundo.

Como dito pelo Secretário-Geral Ban Ki-moon, o qual cito: “Cada um de nós deve envidaresforços em nossas famílias, trabalhos e comunidades para que os atos de violência contramulheres desapareçam. Os países precisam honrar seus compromissos de prevenir aviolência, levar os agressores à justiça e oferecer atenção às vítimas”. Uma escolha terrível determinada pela construção de gênero Mas a violência de gênero não é apenas uma questão de números. Trata-se da dignidade de cada menina e de cada mulher, e de seu direito a vivenciar todos os direitos humanos.

Ainda na década de 90, meus colegas e eu buscávamos idéias para impulsionar a amamentação materna. Recebemos uma fotografia para utilizar em uma campanha quemostrava uma jovem mulher, segurando dois bebês gêmeos, sua cabeça um pouco tombada. O bebê do sexo masculino era a própria imagem da saúde, mas a menina... Ela era apenas pele e ossos. Tendo sido informada de que não produziria leite suficiente para alimentar as duas crianças, a mãe fez uma escolha: ela amamentou o menino, mas não a menina. Nós soubemos que sua filha havia morrido um dia depois de aquela fotografia haver sido tirada. Aquela foto me persegue até hoje. Escolhas sobre vida e morte - enfrentadas por aquela mãe e por um incontável número de mulheres - acontecem, invisíveis, a cada dia, em um número enorme de lares e de comunidades.

Essas decisões são estruturadas por normas sociais fortemente entranhadas e realidadeseconômicas cruéis. Mas falemos francamente. Essas realidades são um escárnio à noção de escolha. Elas são uma lembrança das trágicas conseqüências da construção social do gênero. Elas refletem nossas sociedades injustas e frequentemente dominadas por homens e mesmo nossos paradigmas de desenvolvimento. Permitam-me ser honesto. Temo que a recessão na solidariedade das sociedades seja agravada pela crise financeira global. Essa crise já está causando conflitos civis – e neste processo a posição das mulheres é ainda mais comprometida. Nada menos do que uma revolução social é necessária agora para alcançar os compromissos que fizemos pela equidade de gênero. Acesso Universal, revolução social e equidade de gênero.
Essa revolução social da qual falo é central para minha visão: uma geração futura livre do HIV. Em seguimento à liderança exercida pelo G8 em Gleneagles aqui, nas Nações Unidas em 2006, o mundo assumiu um compromisso histórico – o compromisso ao acesso universal à prevenção, tratamento, atenção e apoio ao HIV. Minha prioridade número um é acelerar o acesso. Nosso desafio é tornar o acesso uma realidade para todos – independentemente do gênero, idade ou sorologia para o HIV. Podemos fazer isto e contribuir amplamente para o desenvolvimento, os direitos humanos e a justiça para todos. A equidade de gênero precisa se tornar parte do nosso DNA – estar no centro de todas as nossas ações. Conjuntamente com governos e a sociedade civil, nós temos de energizar a resposta global à aids ao mesmo tempo em que vigorosamente avançamos na equidade de gênero. Essas causas estão inegavelmente conectadas. Três ações prioritárias: integração, direitos e inclusão democrática.

A revolução social demandará grandes esforços em diversas frentes – algumas das quais eu mencionei anteriormente. Quero enfocar apenas três. Primeiro, dar às mulheres e meninas o poder de se protegerem do HIV. Nós já estamos vivenciando uma recessão na solidariedade. Não podemos permitir que o HIV amplie ainda mais este ônus. Para tanto, faz-se necessário o investimento no acesso universal a serviços integrais em saúde sexual e reprodutiva. Agora é a hora de unir forças para integrar completamente a provisão dos serviços de atenção pré-natal, saúde sexual e reprodutiva e HIV. Aproveitemos este momento. Segundo – nós temos de respeitar e proteger os direitos humanos. A construção social de gênero não será solucionada apenas pela disponibilidade de serviços. O movimento de AIDS utilizou o poder dos direitos humanos para transformar a abordagem da sociedade com relação à epidemia. Um ponto chave para a prevenção ao HIV, e também para alcançar a equidade de gênero em todos os aspectos da vida, incluindo a assistência, é o acesso universal à educação sexual. Esta educação oferece informações completas e corretas, promove a equidade de gênero e orespeito aos direitos humanos. Ela ajudará os jovens a desenvolver a capacidade para oconsentimento mútuo no sexo e no casamento e colocará um fim à violência e à coerção sexual. Terceiro, a revolução social clama por uma mudança na agenda de desenvolvimento – a redução da pobreza precisa ser acompanhada pelo incremento da dignidade e da liberdade. Precisamos de novos modelos de desenvolvimento. Modelos nos quais as mulheres e os homens – incluindo aqueles às margens das sociedades – tenham maior controle sobre suas vidas.

Estou clamando pela “democratização da solução de problemas”. Uma governaça inclusivadeve ser construída de baixo para cima. E deve perpassar todos os aspectos da vida. Estou falando sobre colocar a prevenção mais firmemente nas mãos das mulheres. Precisamos ampliar a distribuição e o uso do preservativo feminino. Concordo com Bill Gates de que precisamos de novos instrumentos que permitam à mulher proteger-se a si mesma – “uma mulher não deveria nunca precisar da permissão de seu parceiro para salvar sua própria vida”. Com mais pesquisas em prevenção, podemos quebrara coluna vertebral da epidemia. Estou falando também do papel essencial dos meninos e dos homens na construção de sociedades mais solidárias e compassivas. Programas em diferentes países demonstram que as atitudes e comportamentos dos homens podem ser modificados. Pretendo tornar a “democratização da solução de problemas” a assinatura de minha gestão no UNAIDS. Compartilhando o ônus da solidariedade.
Comecei compartilhando meu temor de que estamos perdendo nossas sociedades solidárias. Mecanismos para a manutenção de comunidades estão crescentemente sendo pressionados eafetados pelo HIV e pela crise financeira. Noventa porcento dos cuidados a doentes acontecem em nossos lares e comunidades. As mulheres são responsáveis pela maior parte desses cuidados. Promover uma distribuição mais equitativa das responsabilidades entre mulheres e homens é uma necessidade prática bem como uma questão de direitos e de justiça. A simples redistribuição das responsabilidades não é suficiente. Mulheres e meninas precisam de iniciativas legislativas e judiciais, políticas e programas comunitários. Esses são essenciaispara garantir o acesso aos recursos econômicos, à proteção social e a redes de proteção, e aoacesso à educação, habilidades, treinamento e emprego. Precisamos de um apoio mais coordenado aos grupos de mulheres, às organizações comunitárias e a iniciativas de base religiosa que provêem o maior volume da atenção nas linhas de frente desta luta.

Os documentos preparados para esta 53ª Sessão destacam passos práticos a serem tomados. Meu sincero apreço aos governos por seu trabalho. Agradeço aos 10 Co-patrocinadores do UNAIDS e ao UNIFEM, por seu compromisso e contribuição. Agradeço também aos parceiros da sociedade civil que são incansáveis lutadores nas frentes diárias de batalha.
O UNAIDS vai garantir seu apoio prioritário aos programas de país que promovam açõesconcretas para alcançar a equidade de gênero e que protejam os direitos das meninas e mulheres. Para fazê-lo, construiremos fortes laços e engajaremo-nos consistentemente aos grupos de mulheres. Juntem-se à mim para unir os movimentos de mulheres e de AIDS.

Meus amigos, eu clamei por uma ação forte e coletiva para alcançar o acesso universal e aequidade de gênero. Minha mensagem e meu apelo a vocês – vamos unir ainda mais o tremendo poder dos movimentos de mulheres ao movimento de AIDS.

Pensem no que já fizemos até o momento. Pensem nas quatro milhões de pessoas em tratamento. Pensem no que mais podemos alcançar se trabalharmos ainda mais unidos.
Posso contar com vocês para serem firmes, para unirmo-nos pelo acesso universal e pela equidade de gênero?

Vocês podem contar comigo.
Obrigado!

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